Análise de Jurisprudência: videolaparoscopia e posterior perfuração no intestino 22.04.2022 • por Diego Mariante Cardoso

Neste artigo faremos a análise de jurisprudência de um caso envolvendo uma videolaparoscopia e posterior perfuração no intestino. Nesta história você vai acompanhar a importância de construir uma defesa médica com argumentos e provas sólidas.

Internação e evolução do quadro

A paciente submeteu-se a videolaparoscopia para lise de aderências pélvicas decorrentes de histerectomia prévia. O procedimento ocorreu normalmente, com boa evolução pós-operatória, e alta na manhã seguinte. Porém, três dias depois, em uma segunda-feira, ela retornou ao atendimento, referindo dor, náuseas e distensão.

Em hemograma foi constatado que não havia anemia, leucocitose, ou desvio à esquerda. A impressão diagnóstica era de peritonite química. Na terça-feira, ocorreu uma significativa melhora, mas, na madrugada de quarta-feira iniciaram dores intensas e distensão. 

Diante desse quadro, o médico, pela manhã, suspeitou de abdômen agudo e à tarde o diagnóstico se confirmou. Foi efetuada uma nova cirurgia, na qual constatou-se presença de conteúdo intestinal livre na cavidade, e perfuração de alça de íleo-jejuno com áreas de necrose. Foram realizadas todas as medidas de rotina para a solução do quadro. 

Após um mês, a paciente submeteu-se a outras cirurgias, tendo na sequência alta hospitalar com orientações apropriadas. Após a realização de diferentes procedimentos, a paciente faleceu, cerca de dois meses depois.

O conflito Judicial

Os familiares ingressaram em juízo, exigindo indenização de danos morais contra o médico. Eles alegavam que o intestino da paciente foi perfurado durante a videolaparoscopia, o que causou o seu falecimento. 

O cirurgião acusado apresentou sua defesa, descrevendo os fatos e ressaltando que não ocorreu perfuração de alça na realização da cirurgia. Ele ressaltou que se a perfuração tivesse ocorrido durante o procedimento, o abdômen agudo seria quase imediato, pois o conteúdo intestinal se derramaria na cavidade, promovendo, desde logo, a infecção.

Contudo, não foi isso que aconteceu, o abdômen agudo tardou a ocorrer. Esse quadro demonstra a evolução da necrose do tecido da alça que, forçado, paulatinamente, sem elasticidade, rompeu-se. E isso causou o abdômen agudo 120 horas depois da videolaparoscopia.

A Sentença

Durante o processo foram agrupadas diversas provas para a defesa médica, como: prontuário médico, exames e termo de consentimento informado assinado pela paciente.

A perícia analisou o prontuário médico e, em suas conclusões, elucidou a matéria, comprovando a procedência da contestação. Assim, a sentença (decisão de primeiro grau) julgou o processo favoravelmente ao profissional, negando os pedidos dos autores, e transcrevendo, inclusive, trechos do laudo do perito:

“Quando questionado acerca da utilização pelo médico réu dos meios e conhecimentos corretos para o atendimento da paciente, dentro da técnica médica preconizada, o perito respondeu afirmativamente. Acrescentou que o aparecimento de perfuração intestinal após liberação de aderências pode surgir por fatores inerentes ao procedimento, mesmo com todo o cuidado do profissional médico. Seguiu dizendo que o importante é o acompanhamento do paciente em relação ao pós-operatório, sendo o médico sabedor destas possibilidades. Ainda, segundo ele, sequer é possível afirmar com certeza que tenha havido perfuração da alça de intestino durante a cirurgia, circunstância esta que é corroborada pelo fato de que o quadro abdominal somente se manifestou a posteriori (...). Nesse mesmo sentido (...), o perito respondeu (...), afirmando que a perfuração do intestino pode ser decorrência natural da evolução do quadro, uma vez que após a liberação de bridas (aderências), a parede intestinal pode restar enfraquecida, circunstância esta corroborada pelo fato de não haver relato médico de constatação de trauma ou perfuração de alça intestinal no momento da cirurgia, pois a paciente teve alta no mesmo dia da primeira intervenção (...).” 

Desta forma, demonstrou-se que o atendimento médico foi correto, e não causou a perfuração intestinal — nem o óbito.