Videolaparoscopia e posterior perfuração do intestino: cirurgia correta – complicação não decorreu de falha médica, e foi adequadamente tratada 09.11.2019 • por Diego Mariante Cardoso

Paciente submeteu-se a videolaparoscopia para lise de aderências pélvicas decorrentes de histerectomia prévia. O procedimento ocorreu normalmente, com boa evolução pós-operatória, e alta na manhã seguinte. Três dias depois, uma segunda-feira, retornou ao atendimento, referindo dor, náuseas, distensão. Em hemograma foi constatado que não havia anemia, leucocitose, ou desvio à esquerda. A impressão diagnóstica era de peritonite química. Na terça-feira, ocorreu significativa melhora; entretanto, na madrugada de quarta-feira iniciaram dores intensas e distensão, tendo o médico, pela manhã, suspeitado de abdômen agudo, diagnóstico que se confirmou à tarde. Foi efetuada nova cirurgia, na qual constatou-se presença de conteúdo intestinal livre na cavidade, e perfuração de alça de íleo-jejuno com áreas de necrose. Ocorreram as medidas de rotina para a solução do quadro. Decorrido um mês, a paciente submeteu-se a outras cirurgias, tendo na sequência alta hospitalar com orientações apropriadas. Após a realização de diferentes procedimentos, a paciente faleceu, cerca de dois meses depois.

Os familiares ingressaram em juízo, postulando indenização de danos morais contra o médico, alegando que o mesmo perfurara o intestino da paciente durante a videolaparoscopia, e que tal seria a causa do falecimento. O referido cirurgião apresentou defesa, descrevendo os fatos, e ressaltando que não ocorreu perfuração de alça quando da cirurgia, pois, se fosse o caso, o abdômen agudo seria quase imediato, eis que o conteúdo intestinal se derramaria na cavidade, promovendo, desde logo, a infecção. E isso não ocorreu, dado que, como visto, o abdômen agudo tardou a acontecer, o que demonstra a evolução da necrose do tecido da alça que, forçado, paulatinamente, sem elasticidade, rompeu-se, ocasionando o abdômen agudo 120 horas depois da videolaparoscopia. Produziu-se extensa prova no processo, destacando-se a perícia, que analisou o prontuário médico e, em suas conclusões, elucidou a matéria, comprovando a procedência da contestação. Assim, a sentença (decisão de primeiro grau) julgou o processo favoravelmente ao profissional, denegando os pedidos dos autores, e transcrevendo, inclusive, trechos do laudo do perito: “Quando questionado acerca da utilização pelo médico réu dos meios e conhecimentos corretos para o atendimento da paciente, dentro da técnica médica preconizada, o perito respondeu afirmativamente. Acrescentou que o aparecimento de perfuração intestinal após liberação de aderências pode surgir por fatores inerentes ao procedimento, mesmo com todo o cuidado do profissional médico. Seguiu dizendo que o importante é o acompanhamento do paciente em relação ao pós-operatório, sendo o médico sabedor destas possibilidades. Ainda, segundo ele, sequer é possível afirmar com certeza que tenha havido perfuração da alça de intestino durante a cirurgia, circunstância esta que é corroborada pelo fato de que o quadro abdominal somente se manifestou a posteriori (...). Nesse mesmo sentido (...), o perito respondeu (...), afirmando que a perfuração do intestino pode ser decorrência natural da evolução do quadro, uma vez que após a liberação de bridas (aderências), a parede intestinal pode restar enfraquecida, circunstância esta corroborada pelo fato de não haver relato médico de constatação de trauma ou perfuração de alça intestinal no momento da cirurgia, pois a paciente teve alta no mesmo dia da primeira intervenção (...).” Desta forma, demonstrou-se que o atendimento médico foi correto, e não causou a perfuração intestinal — nem o óbito.