Extravasamento da solução parenteral: alimentação via parenteral foi indicada e realizada corretamente, mas complicações do prematuro ensejaram transbordamento do conteúdo 15.11.2019 • por Diego Mariante Cardoso

Fertilização in vitro ensejou gravidez trigemelar, e que, às vinte e nove semanas, foi interrompida mediante cesariana, em virtude de evidências ecográficas de sofrimento fetal. A trigêmea que nasceu por último pesava 1.000 gramas – o peso mais baixo de todos – e apresentou complicações devido à prematuridade: seis dias após o nascimento, atingia apenas 895 gramas e encontrava-se na UTI, pois exigia cuidados intensivos, como suporte ventilatório. Estava hemodinamicamente instável devido à presença de canal arterial calibroso, pelo que lhe foi ministrada indometacina intravenosa na tentativa de fechamento sem cirurgia cardíaca. Devido à impossibilidade do uso da via digestiva, foi colocada sob nutrição parenteral, e o acesso venoso de preferência, nestes casos, é por meio de um vaso no couro cabeludo, conforme doutrina médica atinente à matéria. Evidentemente, é do médico a indicação do procedimento, e da enfermagem sua execução – localizar-se a veia e injetar-se a alimentação. Ocorre que o conteúdo extravasou-se por, provavelmente, ruptura do frágil tecido do vaso, o que pode ocorrer em prematuros, ainda não completamente formados em todos seus tecidos. Tal é acontecimento imprevisível, e inevitável, pois a criança deve ser nutrida conforme supra indicado. No presente caso, a paciente estava com imunidade deprimida e plaquetopenia, o que facilita saída de sangue dos vasos; mais, havia fuga de sangue da circulação periférica para a pulmonar, provocando menor irrigação dos tecidos no local, facilitando, assim, que qualquer quantidade de cálcio contida na solução parenteral que se extravasasse pudesse necrosar tecidos. Efetivamente, dita necrose veio a ocorrer, no couro cabeludo da autora, sendo indicados e realizados debridamentos, com sucesso, para resolução do caso. Mesmo enfrentando estas dificuldades, a paciente sobreviveu, apresentando como seqüela área glabra no couro cabeludo, nas regiões temporal direita e ocipital, prolongando-se até perto do pescoço.

A família, inconformada com o ocorrido, ingressou em juízo contra o médico assistente (pediatra) e o hospital, alegando a existência de danos, os quais seriam decorrentes de falhas no atendimento. O facultativo apresentou sua defesa, expondo os fatos como acima narrados, e ressaltando que o mesmo agiu corretamente, inexistindo nexo causal entre seus atos e os danos alegados. A sentença (decisão de primeira instância) julgou o processo favoravelmente ao médico e ao hospital, valorizando a perícia realizada no processo, transcrevendo o seguinte trecho do aludido laudo técnico:

“(...) nasceu entre o sexto e o sétimo mês, durante a 29ª semana da gestação de sua mãe, pesando um quilo ao nascer: nascituro de alto risco. Mas tudo isto já estava previsto, eis que fruto de gravidez trigemelar, indo para a unidade de neonatologia, onde, mercê dos cuidados recebidos por uma equipe mutidisciplinar, continuou a se desenvolver, atingindo os níveis considerados normais para as crianças nascidas de gravidez a termo, ela e suas irmãs, como as vemos atualmente.

O evento da perda da veia puncionada no couro cabeludo local de eleição para perfusão venosa nestes nascituros, é relativamente freqüente. Igualmente não é rara a ocorrência de um hematoma neste local, que na maioria dos casos se resolve bem. (...) teve um hematoma maior, que progrediu, chegando a ocasionar sofrimento vascular naquela área do couro cabeludo, com necrose de parte da espessura da pele.”

Assim, o magistrado entendeu que o infortúnio ocorrido não se deve aos atos médicos realizados, os quais na realidade salvaram a vida da paciente.